
O baile das pseudociências
Você já reparou como algumas práticas bastante questionáveis acabam vestindo o jaleco da ciência sem jamais terem pisado num laboratório de verdade? Técnicas como a acupuntura, a ventosaterapia ou até mesmo a moda das sementes de maracujá atrás da orelha circulam livremente por hospitais, clínicas e, pasme, até mesmo no cardápio oficial do SUS. E não porque tenham sido aprovadas pelo exigente método científico, mas simplesmente porque conseguiram se instalar no imaginário popular como algo "naturalmente eficaz".
Para sermos justos, a ciência não pede milagres nem crenças inabaláveis; ela exige apenas que algo seja testável, refutável e replicável. Se alguém afirma que uma agulha reposiciona nossa energia vital, ou que ventosas removem toxinas do organismo sem qualquer alteração detectável em exames sanguíneos, seria de se esperar, no mínimo, uma explicação objetiva e consistente – ou pelo menos um estudo sólido que pudesse ser reproduzido em outros contextos ao redor do mundo. Contudo, na prática, o que encontramos são, em geral, apenas relatos pessoais entusiasmados, tradições respeitáveis – embora pouco interessadas em provas concretas – e uma fé, fantasiada de ciência, difícil de contestar.
E o fenômeno não se limita às práticas orientais populares. Multiplicam-se também métodos como a reflexologia podal, que acredita mapear o corpo inteiro na sola dos pés; o thetahealing, que propõe curas instantâneas através de ondas mentais e campos energéticos não mensuráveis; as barras de access, com suas promessas de "deletar crenças limitantes" tocando pontos invisíveis na cabeça; ou ainda a temida "psicologia cristã", que tenta misturar doutrina religiosa e intervenção clínica como se fossem inseparáveis ou mesmo solúveis uma na outra. Some-se a isso a explosão de terapias informais como a "coachterapia", onde se promete reprogramar vidas inteiras com uma coleção de frases motivacionais e fé inabalável. Cada uma dessas práticas, à sua maneira, reivindica espaço como se fosse uma extensão natural da ciência, mesmo carecendo de qualquer lastro sólido que a sustente.
Entender essa diferença é crucial. Não se trata de desprezar o conforto emocional que essas técnicas podem proporcionar, nem a força real que um acolhimento psicológico pode ter na vida das pessoas. Mas é fundamental separar aquilo que apenas alivia a alma daquilo que realmente pode curar o corpo; aquilo que resvala na categoria "efeito placebo" daquilo que funciona de forma comprovada, independente da fé. Entre colocar uma semente atrás da orelha e sentir-se melhor, e afirmar categoricamente que existe um mecanismo bioquímico ou fisiológico envolvido, existe um abismo que só a ciência pode atravessar – e, sejamos francos, até agora ela não atravessou para nenhuma dessas pseudociências mencionadas.
Claro, reconheço que essa exigência de rigor pode soar excessiva. Talvez seja mesmo. Se levada ao extremo, poderia, por exemplo, colocar sob suspeita práticas como a própria psicanálise, que também não se enquadra nos padrões tradicionais de testabilidade e replicação. E, no entanto, a psicanálise, com todas as suas lacunas metodológicas, carrega uma densidade clínica e uma complexidade humana que a diferenciam profundamente do universo das pseudociências. Ela não pretende (ou ao menos não deveria pretender) ser uma ciência; é, antes, uma forma de escuta e compreensão da subjetividade – algo que, por natureza, escapa às métricas mais rígidas da régua científica.
O que aqui defendo é a importância de aplicarmos a essas formas de "terapia alternativa" o nosso senso crítico. Justamente por respeitar a delicadeza de certas experiências humanas, é ser essencial mantermos um olhar atento e exigente, sem cair na armadilha fácil de equiparar tudo o que conforta com aquilo que cura de verdade. Respeitar tradições e crenças, sim; mas sempre com a lucidez de quem sabe distinguir entre a força simbólica de uma prática, de um lado, e, de outro, a robustez objetiva de um tratamento validado. Porque, no fim das contas, o problema não é que essas terapias alternativas existam – elas podem, sim, ocupar um espaço complementar, se utilizadas com responsabilidade e discernimento. O verdadeiro perigo começa quando pretendem substituir os tratamentos cientificamente comprovados, oferecendo ilusões em lugar de possibilidades reais de cura.
Quando uma paciente com câncer metastático, por exemplo, abandona a quimioterapia, a radioterapia e a cirurgia oncológica para apostar exclusivamente em intervenções espirituais ou métodos sem comprovação, o desfecho trágico não é obra do acaso. É o resultado direto de uma fé que, ao desprezar o conhecimento científico, transforma esperança em negligência fatal. Esse é talvez o exemplo mais doloroso – e mais claro – do que está em jogo: não é apenas uma questão de crença pessoal, mas de responsabilidade frente à vida.
Nossa saúde – essa frágil e preciosa travessia – merece o melhor dos dois mundos: sensibilidade, sim, mas também verdade.