
O Brasil na coleira das elites do atraso
As elites brasileiras, essas criaturas fascinantes e um tanto previsíveis, vivem em dois mundos paralelos: um feito de soja e gado, e outro de brunchs sofisticados e apartamentos de design minimalista. E o mais interessante? Ambas acham que são as verdadeiras protagonistas dessa tragicomédia chamada Brasil. Mas, no fundo, fazem parte da mesma engrenagem — a tal "elite do atraso", como Erika Hilton bem define. Um grupo que, apesar das aparências, tem um compromisso inabalável com a manutenção de privilégios e com a resistência a qualquer avanço que ameace suas estruturas de poder.
De um lado, temos a elite do agronegócio, os senhores da terra, que veem o país como um grande tabuleiro de monoculturas. Para eles, a economia brasileira é basicamente uma questão de plantar, colher e exportar, sem tempo para essas “bobagens” de preservação ambiental ou direitos indígenas. São pragmáticos, influentes e têm o poder de dobrar políticas públicas ao seu bel-prazer, afinal, a bancada ruralista não existe por acaso. No seu imaginário, o Brasil é um gigante agrícola, e qualquer coisa que fuja desse roteiro é papo de gente “desconectada da realidade”.
Do outro lado, a elite urbana, os intelectuais de lifestyle, que moram em bairros arborizados e discutem questões sociais enquanto saboreiam um café especial de R$ 30 a xícara. São os entusiastas da educação de qualidade, da meritocracia seletiva e do consumo consciente — desde que não exija abrir mão de privilégios. Frequentemente, olham para o Brasil profundo com uma mistura de culpa e desdém, sem perceber que suas narrativas de progresso também sustentam desigualdades. No fim das contas, ambas as elites se encontram no mesmo dilema: querem um país melhor, mas só até o ponto em que isso não comprometa seu próprio conforto.
E é aí que entram vozes como Erika Hilton e Senhorita Bira, que escancaram as contradições dessa elite do atraso. Hilton, ao denunciar a jornada 6×1 — aquela maravilha que faz um trabalhador passar seis dias por semana moendo sua saúde para, no sétimo, descansar sem forças para nada — expõe o verdadeiro abismo entre quem toma as decisões e quem as sente na pele. A proposta de reduzir a carga semanal para 36 horas sem corte salarial não é uma ideia absurda, mas para essa elite, qualquer passo em direção ao mínimo de dignidade soa como uma afronta. Enquanto isso, Bira, em suas análises afiadas, expõe a farsa da polarização entre a elite do agronegócio e a elite urbana, mostrando que, no fim do dia, ambas operam pelo mesmo projeto: concentrar riquezas e terceirizar os prejuízos.
Porque, no fim das contas, a ameaça real não é econômica, e sim simbólica: o risco de que os trabalhadores percebam que podem exigir mais. E assim seguimos, num país onde as decisões vêm sempre de cima, enquanto o resto de nós apenas assiste, meio perplexo, meio conformado — e, talvez, cada vez menos disposto a aceitar o roteiro imposto.