

Apesar de tudo, apesar do cansaço maçante, dos atritos e obstáculos que surgem na convivência com o outro, apesar do desgaste emocional, físico, material e espiritual, apesar dos momentos de desconexão com quem está bem ali ao seu lado ou à sua frente; apesar disso tudo, apesar das tentativas de esconder o sol com a peneira e de apontar dedos contra aqueles que denunciam as verdades incômodas — apesar de tudo, chega a noite.
A quietude se instala, e os sonhos se erguem, como a grande lona de um grandioso circo da noite. E, assim como o dia se desfaz e se refaz em si mesmo, nós também. Nós também temos a oportunidade de renascer a cada dia, trazendo uma mala, um punhado de memórias pesadas.
Apesar dos entraves, das resistências sociais, das crueldades e mesquinharias daqueles que nos desejam mal e que se ofuscam com nossa luz, fazer o bem sem olhar a quem ainda carrega uma verdade indestrutível, inquebrantável.
Apesar dos percalços e tropeços, seguimos em frente e caminhamos adiante, melhores que ontem, mas ainda não tão bem quanto amanhã, preparando-nos, no silêncio da noite, para o renascer de um amanhã que ainda não nos pertence.
Em meio ao silêncio cotidiano, percebemos que ele nem sempre é sinônimo de paz. Há momentos em que observar revela mais do que qualquer palavra, e na sutileza das interações, percebemos que a verdade, às vezes, se esconde nas entrelinhas. É nos olhares que evitam os nossos, nas frases que não se completam, que surge uma espécie de dança — uma coreografia do que preferimos não enxergar.
Caminhamos acreditando que a justiça segue um caminho direto e simples, mas logo notamos que o solo é tortuoso. Cada vez que tocamos em algo delicado, a poeira se ergue, revelando o quanto o conhecimento pode ser incômodo. Saber é carregar um peso, e nem sempre estamos prontos para isso. Às vezes, o que vemos como uma chance de mudança nada mais é do que uma porta trancada por dentro.
Olhos que se esforçam para desvendar o que está nas sombras muitas vezes encontram resistência em quem escolhe não ver. E nesse ato de recusa, há uma lição valiosa: o mundo se protege com véus difíceis de serem removidos. Enfrentar a verdade é uma luta não só com o externo, mas também com o que há dentro de cada um de nós, numa escolha entre a coragem e a manutenção daquilo que já conhecemos.
Com o tempo, entendemos que o desejo de mudança pode parecer uma ameaça para aqueles que se apegam ao que sempre foi. Não por maldade, mas por medo — medo de que o velho se desfaça e de que o novo traga consigo a instabilidade. Nem todos estão prontos para encarar essas mudanças, e o que é revelado antes do tempo pode perturbar a paz que se esforçamos tanto para manter.
No fim, o maior aprendizado está na quietude: não é ingenuidade buscar a verdade, mas é sabedoria entender o tempo dos outros. Entre as escolhas que fazemos e as que nos são impostas, vamos refinando nosso entendimento. Estar desperto em um mundo que prefere dormir é um equilíbrio delicado entre o que vemos e o que optamos por mostrar.