quarta-feira, 9 de outubro de 2024

A natureza contra-ataca

Começou como um sussurro: ventos fora de hora, chuvas que chegavam sem aviso, mas sempre havia aqueles que viravam o rosto, que insistiam em dizer que tudo seguia como deveria. O negacionismo, alimentado por mãos invisíveis – políticas, econômicas –, crescia com raízes profundas. E, enquanto o mundo queimava, derretia e se afogava, muitos, por interesses próprios, fingiam não ver. O preço dessa cegueira se acumulava, gota a gota, até que a própria Terra decidiu cobrar.
O céu, antes azul, se tornou palco de tempestades. Elas não pediam licença, não seguiam mais as estações; simplesmente vinham, furiosas, como se tentassem gritar o que tantos se recusavam a ouvir. O mar, já cansado de sussurrar sua fúria, levantou-se em muralhas de água, varrendo cidades com a força de séculos de descaso. No Brasil, nas terras onde o verde deveria ser eterno, o cinza de concreto se misturava às enchentes e secas, desmentindo todas as promessas de "crescimento" que um dia justificaram a destruição.
Mas, o que poucos entendem – ou talvez, o que muitos preferem ignorar – é que essa revolta não é apenas da natureza. Há um grito sociológico embutido no barulho do vento. O negacionismo climático, promovido como uma estratégia para proteger economias e soberanias, fez aliança com o agronegócio, com empresas que juravam que o progresso só poderia florescer se o verde da floresta se convertesse em lucro rápido. O desgoverno Bolsonaro se aliou a esses grupos, fechando os olhos para a ciência, enquanto o mundo já começava a sentir os tremores dessa escolha.
E enquanto os poderosos lucravam, as salas de aula se enchiam de silêncio. A educação ambiental, tratada como algo distante, falhava em preparar os jovens para o que já estava acontecendo. As catástrofes já não eram futuros hipotéticos; eram o presente. O Rio Grande do Sul se afogava em suas próprias águas, enquanto o Nordeste rachava de sede. E a pandemia, essa sombra que engoliu o planeta, surgia como outro lembrete cruel de que o desrespeito à natureza tem consequências que atravessam fronteiras.
A Terra, porém, não se importa com os debates políticos ou econômicos. Não se afeta pelo negacionismo ou pelas redes sociais que espalham desinformação como folhas ao vento. Ela reage, simples e direta. O aquecimento que ignoraram não para. As tempestades que subestimaram não se cansam. O solo se revolta, o ar se envenena, e os oceanos, fervendo de raiva, começam a tomar de volta o que lhes foi roubado.
Mas no meio desse caos, há quem resista ao silêncio. Educadores, ativistas, pessoas comuns, todos tentando reacender uma chama de consciência. Lutam para que as futuras gerações entendam o que está em jogo – que o ciclo de destruição pode ser interrompido, mas não sem uma revolução de mentalidade. A ciência aponta o caminho, mas o conhecimento precisa alcançar todos, especialmente aqueles cujas vidas dependem diretamente de um planeta estável.
A Terra contra-ataca, sim, mas não por ódio. Ela age por instinto, por sobrevivência. E cabe a nós decidir se vamos continuar a ignorar os sinais ou se, finalmente, ouviremos os gritos que vêm do fundo do oceano, dos ventos e das árvores que caem. O tempo está se esgotando, e a escolha, essa, sempre foi nossa.

terça-feira, 8 de outubro de 2024

Apesar de, estamos aqui

Apesar de tudo, apesar do cansaço maçante, dos atritos e obstáculos que surgem na convivência com o outro, apesar do desgaste emocional, físico, material e espiritual, apesar dos momentos de desconexão com quem está bem ali ao seu lado ou à sua frente; apesar disso tudo, apesar das tentativas de esconder o sol com a peneira e de apontar dedos contra aqueles que denunciam as verdades incômodas — apesar de tudo, chega a noite.

A quietude se instala, e os sonhos se erguem, como a grande lona de um grandioso circo da noite. E, assim como o dia se desfaz e se refaz em si mesmo, nós também. Nós também temos a oportunidade de renascer a cada dia, trazendo uma mala, um punhado de memórias pesadas.

Apesar dos entraves, das resistências sociais, das crueldades e mesquinharias daqueles que nos desejam mal e que se ofuscam com nossa luz, fazer o bem sem olhar a quem ainda carrega uma verdade indestrutível, inquebrantável.

Apesar dos percalços e tropeços, seguimos em frente e caminhamos adiante, melhores que ontem, mas ainda não tão bem quanto amanhã, preparando-nos, no silêncio da noite, para o renascer de um amanhã que ainda não nos pertence.



O status quo nas entrelinhas

Em meio ao silêncio cotidiano, percebemos que ele nem sempre é sinônimo de paz. Há momentos em que observar revela mais do que qualquer palavra, e na sutileza das interações, percebemos que a verdade, às vezes, se esconde nas entrelinhas. É nos olhares que evitam os nossos, nas frases que não se completam, que surge uma espécie de dança — uma coreografia do que preferimos não enxergar.

Caminhamos acreditando que a justiça segue um caminho direto e simples, mas logo notamos que o solo é tortuoso. Cada vez que tocamos em algo delicado, a poeira se ergue, revelando o quanto o conhecimento pode ser incômodo. Saber é carregar um peso, e nem sempre estamos prontos para isso. Às vezes, o que vemos como uma chance de mudança nada mais é do que uma porta trancada por dentro.

Olhos que se esforçam para desvendar o que está nas sombras muitas vezes encontram resistência em quem escolhe não ver. E nesse ato de recusa, há uma lição valiosa: o mundo se protege com véus difíceis de serem removidos. Enfrentar a verdade é uma luta não só com o externo, mas também com o que há dentro de cada um de nós, numa escolha entre a coragem e a manutenção daquilo que já conhecemos.

Com o tempo, entendemos que o desejo de mudança pode parecer uma ameaça para aqueles que se apegam ao que sempre foi. Não por maldade, mas por medo — medo de que o velho se desfaça e de que o novo traga consigo a instabilidade. Nem todos estão prontos para encarar essas mudanças, e o que é revelado antes do tempo pode perturbar a paz que se esforçamos tanto para manter.

No fim, o maior aprendizado está na quietude: não é ingenuidade buscar a verdade, mas é sabedoria entender o tempo dos outros. Entre as escolhas que fazemos e as que nos são impostas, vamos refinando nosso entendimento. Estar desperto em um mundo que prefere dormir é um equilíbrio delicado entre o que vemos e o que optamos por mostrar.